A possibilidade de cessão de crédito trabalhista

Para entender o significado dessa decisão na seara trabalhista é importante saber o conceito básico da cessão de créditos no Direito como um todo e qual era o entendimento jurisprudencial a respeito disso no curso do processo na Justiça do Trabalho até o presente momento. 

Inicialmente, a cessão de crédito está compreendida nas considerações do Direito Civil, sendo definida, por muitos doutrinadores, como um negócio jurídico pelo qual o sujeito ativo de uma obrigação confere a outro, geralmente um terceiro estranho ao negócio jurídico primário, no todo ou em parte, sua posição na relação jurídica.

Assim, o credor transfere seus créditos, tornando-se o cedente da relação, a terceiro (cessionário) estranho, e o devedor, sujeito passivo da obrigação, torna-se o cedido, cujo qual independe de anuência, concordância. 

Tal instituto do Direito Civil está disposto no art. 286, do Código Civil.

Veja-se: 

“Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação”.

Para se tornar possível a cessão de crédito deve cumprir alguns requisitos, tais como a inexistência de impedimentos legais ou contratuais a transmissão, a impessoalidade de cessão e a existência de uma obrigação originária.

Ainda, vale ressaltar que a lei não determina uma forma específica para que a cessão de crédito possua validade jurídica, sendo composta pelo mero aperfeiçoamento das partes. Contudo, o art. 288, do Código Civil dispõe que, para ter validade perante terceiros, deve ser realizada mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654, do mesmo código, o qual estabelece: 

“§ 1o O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos”.

Tendo analisado um pouco melhor o instituto da cessão de crédito é possível compreender mais amplamente o processo da cessão de crédito na seara trabalhista, bem como a jurisprudência e doutrina adotadas durante muitos anos. 

Sabe-se que a Justiça do Trabalho é conhecida não apenas pela defesa dos direitos dos trabalhadores, como também pela sua celeridade. Entretanto, não se pode negar que alguns processos podem demorar alguns anos para serem concluídos, fazendo com que os autores (credores da obrigação) fiquem apreensivos quanto ao recebimento do valor que lhes é devido. 

Tendo isso em vista, em alguns casos, pode ser mais vantajoso para esse trabalhador proceder com a venda, para um terceiro, de seus créditos trabalhistas, a fim de receber, imediatamente, algum valor, mesmo que inferior ao que de fato viria a ter direito. Mas a grande dúvida é: isso é possível? 

Vale lembrar que essa transferência depende de decisão do juiz, o que pode variar de caso para caso, e o entendimento majoritário seguia a linha que tal cessão não poderia ocorrer no Direito do Trabalho.

O motivo era simples, não há, na legislação trabalhista, previsão específica para esse tipo de ação.

Ainda, há quem entenda que os direitos trabalhistas são irrenunciáveis, ou seja, o empregado não pode se desfazer de seus direitos, na medida em que estes são assegurados por meio de normas imperativas de ordem pública, podendo ser classificados por sua natureza alimentar.

Contudo, tais direitos possuem um certo grau de flexibilidade, uma vez que as relações contratuais de trabalho são objeto de livre estipulação das partes interessadas, desde que não contrariem disposições legais.

Ademais, destaca-se que, quando em fase de execução, algumas verbas trabalhistas podem se tornar transmissíveis, haja visto que deixam de ser personalíssimas ao serem convertidas em pecúnia ou reduzidas a uma obrigação pecuniária, uma vez liquidados. 

Há três correntes distintas que versam sobre o tema. Uma delas defende que a cessão é possível, desde que atendidos os requisitos impostos pelo art. 286, do Código Civil.

Porém, uma vez cedidos, os créditos perdem a natureza alimentar.

A segunda corrente também admite a cessão do crédito trabalhista, mas defende que sua execução não tramite na Justiça do Trabalho. Por fim, a terceira corrente defende que a cessão de crédito é inconcebível dentro da vertente do Direito do Trabalho. 

Ultrapassados os apontamentos expostos, em julgamento nos autos de Embargos de Declaração nº 8202320155060221, no dia 17/08/2021, realizado pelo Ministro Douglas Alencar Rodrigues, do Tribunal Superior do Trabalho, se decidiu pela viabilidade da tão discutida cessão de créditos trabalhistas.

Decisão essa, que trouxe uma maior segurança para aqueles que vinham atuando nesse mercado, cada vez mais proeminente em face do atual contexto de pandemia.  

Nesse mesmo sentido, o ministro consignou que a cessão de crédito é espécie de transmissão de obrigação regulada pela legislação civil e que pode ser aplicada a toda a espécie de vínculos jurídicos obrigacionais e que a proteção jurídica conferida aos créditos trabalhistas, de caráter essencialmente alimentar, não se revela incompatível com a possibilidade de cessão, desde que observados os requisitos gerais de validade do negócio jurídico (artigo 104 do CC).

No mais, em relação aos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, arguiu o Ministro que estes não podem ser interpretados e aplicados de forma a afastar a incidência do Código Civil nas relações de trabalho, sobretudo em face do que se contem no art. 8º da CLT, que trata da aplicação subsidiária da Justiça Comum à Justiça do Trabalho, não alcançando, portanto, a revisão ou a disciplina do conteúdo de atos jurisdicionais típicos, entre os quais se situa o exame da juridicidade dos atos negociais ligados à cessão de créditos trabalhistas.

Deve-se considerar um marco jurisprudencial importante por gerar uma homogeneidade quanto ao tema.

Todavia, há de se considerar que tais créditos serão vendidos com um deságio entre 25% e 75%, cabendo ao cedente analisar a melhor solução para o problema. Existem, inclusive, empresas especializadas nesse tipo de operação, para as quais o empregado poderá perscrutar.  

Já em maio de 2022, o Ministro Agra Belmonte, do Tribunal Superior do Trabalho, também decidiu a favor da cessão de créditos trabalhistas ao deferir o pedido de sucessão processual da Explorer II Fundo de Investimento em Direitos Creditórios não Padronizados como credora dos valores devidos a um vigilante de São Paulo (SP).

Em sua decisão monocrática, o Ministro Agra Belmonte elucidou que, embora a CLT não disponha expressamente sobre o tema, o Código Civil pode ser aplicado ao caso.

Não apenas isto, mas há um projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados que visa autorizar a venda de crédito trabalhista para terceiros, alterando, portanto, o disposto no Código Civil, acrescentando o parágrafo único ao art. 286. Trata-se do Projeto de Lei nº. 4300/21, proposto pelo Deputado Carlos Bezerra. 

Além do Projeto de Lei supramencionado, também entraram, em vigor normas que flexibilizam a venda de crédito trabalhista, como a Lei 14.193/21 (Lei do Clube-Empresa), a qual faculta ao credor de dívida trabalhista ou dívida cível vender o débito com deságio.

Devemos considerar ainda a possibilidade de cessão de crédito trabalhista está prevista, inclusive, na própria Lei 11.101/2005, que disciplina a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. 

Portanto, é fato que a cessão de créditos no plano do Direito do Trabalho sempre foi um assunto um tanto quanto controverso, o que gerou grande insegurança, tanto para quem compra, quanto para quem vende os créditos.

Entretanto, com essa nova decisão a situação tende a caminhar para um cenário cada vez mais favorável para a possibilidade de cessão, sobretudo, quando a fase de execução já tiver sido instaurada. 

O PR Lasmar & Associados coloca-se à disposição para quaisquer esclarecimentos sobre o tema.

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