A banalização da justiça gratuita no processo trabalhista

O acesso à justiça é um direito fundamental garantido pela Constituição Brasileira.

Para assegurá-lo, foi instituída a possibilidade de concessão da justiça gratuita, que permite que pessoas que não têm condições financeiras de arcar com as despesas do processo judicial possam ter acesso à tutela jurisdicional.

No entanto, apesar de ser um instrumento importante para a efetivação dos direitos fundamentais, a justiça gratuita tem sido alvo de abusos por parte de algumas pessoas, que a utilizam de forma indevida, muitas vezes com o intuito de procrastinar o andamento processual ou obter vantagens ilegítimas.

Nesse contexto, a fim de que seja possível analisar o abuso de direito que cerceia a concessão da justiça gratuita, é necessário compreender sua raiz.

Assim, segundo disposto no artigo 5º, inciso XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 

Sob essa ótica, entende-se que o Estado deve garantir o acesso à justiça gratuita para aqueles que não têm condições financeiras de arcar com as despesas do processo judicial. Entra em cena, pois, a concessão da gratuidade de justiça.

Como pontua Carlos Enrique Camps, tal objetivo tem como intuito

La obtención, mediante un proceso de conocimiento abreviado – incidental – y con bilateralidad previa y plena, de una resolución judicial que exime de la obligación de pagar los costos judiciales a quien acredite tanto la carencia de medios suficientes para afrontar esa obligación como la necesidad de defender derechos ante los tribunales (CAMPS, 2006, p. 53-54).

Entretanto, indo em contrário ao apresentado por Carlos Enrique, nem sempre o pedido de justiça gratuita é feito por quem acredite não ter meios para pagar, assim como o deferimento desse benefício não se pauta na comprovação dessa necessidade, mas sim em uma mera declaração. 

Aqui, o que se observa é que muitas vezes, indivíduos que têm condições financeiras de arcar com as despesas do processo judicial fazem uso da justiça gratuita de forma indevida, com o intuito de procrastinar o andamento processual ou obter vantagens ilegítimas.

Essa prática prejudica não só a parte contrária, mas também o próprio sistema jurídico, que fica sobrecarregado com um número excessivo de processos.

Sobre isso, sustenta-se que a própria doutrina destaca que o abuso processual pode ser caracterizado pela lesão causada à administração da Justiça.

Segundo especialistas como Taruffo, a movimentação desnecessária do Judiciário pode contribuir para o mau funcionamento da Justiça, comprometendo a efetividade do sistema e prejudicando o acesso de outras pessoas ao judiciário.

Em outras palavras, o abuso processual pode prejudicar a própria instituição da Justiça, impactando negativamente o funcionamento do sistema.

Ainda sobre o tema, José Olympio de Castro Filho aponta que tal concessão em excesso nada mais é que “o indivíduo se servindo do Estado, através dos órgãos jurisdicionais, para prejudicar a outrem, ou para obter resultados ilícitos e inatingíveis sem o concurso do mesmo Estado”.

Ressalta-se que o prejuízo aqui abrange não somente uma das partes e sim a todos, pois o dano apresentado se dá perante todo o Estado.

Se a ideia principal da Justiça Gratuita é promover o acesso dos hipossuficientes à justiça, apresenta-se como um claro desvio de finalidade o seu uso por quem tem condição de arcar com as custas de um processo. Assim, regulamenta o art. 790, § 4º, que

Art. 790, § 4º – O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo (BRASIL, 1940).

Ora, se deve haver a prova da insuficiência de recursos, porque atualmente isso não é seguido?

A resposta não é clara, pois o tema se apresenta de modo tão conflitante, que até mesmo a jurisprudência diverge entre si.

Entretanto, algo é claro: a afirmação de pobreza é algo subjetivo, de modo que sua veracidade pode e deve ser contestada, de modo que acertadamente, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro editou a súmula 39, compreendendo que

É facultado ao Juiz exigir que a parte comprove a insuficiência de recursos, para obter concessão do benefício da gratuidade de Justiça (art. 5º, inciso LXXIV, da CF), visto que a afirmação de pobreza goza apenas de presunção relativa de veracidade.

Sob esse prisma, entende-se que é primordial que a concessão da justiça gratuita seja fundamentada, e que sejam adotados critérios claros e objetivos para avaliar a hipossuficiência do indivíduo.

Isso evita a utilização abusiva desse direito e contribui para a efetividade da Justiça.

Finaliza-se o presente artigo, pois, com a fala do desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima, que sustenta que a concessão desse benefício não deve se dar mecanicamente.

Segundo ele, urge a verificação, caso a caso, da possibilidade de isso ser aplicado. 

Se as condições patrimoniais de cada indivíduo se dão de modo diferente, a padronização de concessões chega até mesmo a ferir o princípio da motivação das decisões judiciais, devendo isso ser reprimido pelos magistrados, a fim de garantir a real aplicação de direitos na sociedade.

O PR Lasmar & Associados se coloca à disposição para quaisquer esclarecimentos sobre o tema.

Gabriella Miraíra Abreu Bettio